quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Transtorno Alimentar e a Psicoterapia

O profissional tem um papel importante, tanto no tratamento como no acompanhamento do paciente. 

A indústria da magreza vem trazendo graves conseqüências, especialmente para as jovens. O país também é líder mundial no consumo de medicamentos para emagrecer, segundo pesquisa da ONU. No ano passado, dois casos de modelos mortas vítimas de transtornos alimentares ganharam destaque na mídia. E, na busca excessiva pela forma física induzida pelo mercado da beleza, há quem recorra à cirurgia bariátrica para perder peso rapidamente.

Nesse contexto de constante bombardeio da ditadura da aparência sobre a sociedade, o psicólogo aparece como um profissional indicado para discutir as causas e as repercussões de transtornos alimentares, muitas vezes resultado de desequilíbrio emocional. “Não é preciso saber a especificidade de cada um desses transtornos, mas o profissional precisa estar preparado para reconhecer esses casos”, afirma Alícia Cobelo, chefe do departamento de Psicologia do Protad (Programa de Atendimento à Criança e ao Adolescente) do Ambulim, (Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares) no Hospital das Clínicas. “A paciente com anorexia nervosa se recusa a manter o peso mínimo saudável para idade e altura, teme engordar e tem distorção de imagem corporal; ou seja, mesmo magra, acha que tem a barriga ou o braço enorme”, exemplifica. Ela explica que, além de dessas características de natureza comportamental, para uma classificação acadêmica, é necessário constatar que a paciente está há três meses consecutivos sem menstruar.

No caso da bulimia, Alicia observa que um dos sinais do transtorno são as compulsões dos pacientes. “É resultado do consumo de muitas calorias em pouco tempo numa combinação inadequada de alimentos, como feijão com sorvete. Depois desse ataque, ela recorre a métodos purgativos para compensar, que pode ser o vômito ou outros, como tomar laxante, diurético ou passar muitas horas na academia”, explica.

Ela ressalta que o tratamento exige o acompanhamento de diferentes profissionais. “O psicólogo não consegue dar conta sozinho. São doenças graves que exigem uma equipe multidisciplinar. O médico e o nutricionista são parceiros do psicólogo”, aconselha Alícia. Os transtornos vêm acompanhados de uma série de comorbidades, que precisam de acompanhamento médico. “O nutricionista também tem um papel importante, porque a disfunção nutricional é visível nesses transtornos”, acrescenta. Esses profissionais podem ser de centros de tratamento como o Ambulim ou o Protad, nos quais o psicólogo pode continuar acompanhando o tratamento do paciente. “Muitas vezes, isso é recomendável até por questões econômicas, quando a família tem dificuldade para pagar uma equipe multidisciplinar”, acrescenta.

A importância da atuação do psicólogo se estende também aos pacientes obesos. “A psicoterapia pode ser de grande ajuda na perda de peso, associada a uma reeducação alimentar e mudança no estilo de vida”, diz Maria Elizabeth Gatto, psicóloga, psicanalista, especialista em transtornos alimentares e obesidade e primeira-secretária do INBIO (Instituto Brasileiro Interdisciplinar de Obesidade). Segundo ela, a obesidade é, não raro, reflexo de problemas emocionais, e não físicos. Atualmente, antes de considerar um tratamento multidisciplinar, muitos pacientes buscam inadvertidamente a cirurgia bariátrica. “É um dos recursos que existem no tratamento, mas que vem sendo banalizada”, avisa.

Maria Elizabeth adverte que mesmo os pacientes que ganharam massa corporal mínima exigida para a realização do procedimento precisam antes passar por um preparo psicológico antes da cirurgia. “A intervenção desse profissional é importante para ajudar o paciente a mudar sua relação com a comida. Ele perde muito peso em muito pouco tempo, e pelo resto da vida vai ter de controlar a dieta, porque o desejo de comer não muda com a cirurgia. Além disso, o paciente também vai ter que lidar com sua nova imagem corporal, com novas situações em seus relacionamentos inter pessoais e com mudanças em seu modo de viver”, afirma.

Um dos riscos de fazer a cirurgia sem acompanhamento psicológico, segundo Maria Elizabeth, é transferir a compulsão. “Se não for satisfeita pela comida ela pode ser substituída: a pessoa passa a beber, gastar, jogar ou fazer sexo para ter a compensação imediata que a comida não proporciona mais”, explica. Outros riscos referem-se à manifestação mais evidente de alterações emocionais pré existentes como depressão e transtornos de ansiedade. Por essa razão, o INBIO luta para que a avaliação psicológica seja obrigatória antes da cirurgia. “Essa avaliação traz um prognóstico de como a pessoa poderá reagir”, argumenta. Segundo Maria Elizabeth, a avaliação pode sugerir que a cirurgia seja adiada ou não seja feita, mas não pode impedir a realização. “Em todos os casos, é recomendado o acompanhamento psicológico posterior à cirurgia.”

Acompanhamento, segundo Alicia Cobelo, do Ambulim, que deve ser feito também pela família, que participa do dia-a-dia e lida com a alimentação e a medicação. “Não dá para tratar o paciente e esquecer a família, senão o tratamento não funciona”, explica.

Alicia afirma que a primeira dificuldade ao lidar com os pais é superar a culpa. “Eles se sentem responsáveis pela doença. A questão da alimentação é muito básica, e não conseguir fazer com que o filho coma traz um peso muito grande”, diz. Outra dificuldade é convencer algumas famílias de que anorexia e bulimia são doenças. “Há pais que dizem que é frescura, porque o problema parece simples. Eles precisam ser convencidos de que os filhos têm um problema sério e precisam ser tratados ou podem até morrer”, ressalta.

A maioria dos estudos atuais sobre obesidade enfatiza não somente a inclusão da família no tratamento, mas também considera a relevância do funcionamento familiar, das práticas conversacionais, legados transgeracionais e a cultura alimentar específica de cada família como aspectos que afetam o desenvolvimento dos transtornos alimentares, segundo Heloísa Chiattone, psicóloga hospitalar, presidente da Alapsa (Associação Latino-americana de Psicologia da Saúde) e coordenadora dos serviços de psicologia hospitalar do Hospital do Servidor Público Municipal e da Santa Casa de Vinhedo. “É fundamental lembrar que os efeitos do diagnóstico e tratamento de transtorno alimentar afetam o sistema familiar, incluindo a internação hospitalar”, afirma.
Nesse caso, Heloísa diz que a rotina familiar é alterada e o tratamento pode exigir mudanças permanentes. Ela acredita que o melhor caminho é envolver adequadamente os familiares. “Demarcar fronteiras entre tratamento profissional e o cuidado familiar e tentar distanciar os parentes do paciente reforçam as diferenças e a animosidade entre família, médicos e equipe, dificultando o tratamento”, explica. “O maior propósito das intervenções psicológicas e terapêuticas, frente a todos esses estresses, é a prevenção de sintomas e a disfunção na organização familiar, que é diariamente observada pelos psicólogos hospitalares.”
Heloísa destaca que, a partir do momento da internação do paciente, há uma “mudança” de papéis: a família passa a ser “visitante” ou “acompanhante” e não mais cuidadora. Por isso, deverá ser também considerada paciente, até que possa voltar a cuidar. “Um dos desafios do psicólogo hospitalar no tratamento de pacientes com transtornos alimentares no Hospital Geral é envolver e compartilhar com familiares e pacientes suas histórias repletas de insegurança e angústias, visando construir uma boa relação entre a família e a equipe de tratamento, para que a compreensão dos significados possa ser transformada, traduzindo-se em benefício para todos os envolvidos no processo.”

Jornal PSI - número 152 • maio / junho 2007


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