quinta-feira, 25 de agosto de 2011

A Psicologia dos Povos Históricos


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por Jean Riviere. (1979), Editora Salvat, Rio de Janeiro

Antes de descrever as recíprocas aproximações culturais que o Oriente e o Ocidente fizeram, e ainda fazem, para melhor se conhecerem, é necessário, em Primeiro lugar, compreender a complexa psicologia das grandes raças asiáticas que habitam a Índia, a China e o Japão.
Índia
Uma das características fundamentais do pensamento indiano é a sua tendência para a introspecção. Imediatamente deduz-se daqui uma atitude passiva e habitualmente tímida e tranqüila. A vida interior, contemplativa, ocupou sempre um lugar de primeira ordem entre os indianos, povo eminentemente inclinado à filosofia, à especulação intelectual, às atividades religiosas, à vida cenobítica e monástica, à renúncia, fator que colocam acima de tudo. O pensamento é metafísico, não cientifico, no sentido ocidental do termo; se a Grécia teve uma visão geométrica e concreta do mundo físico, a Índia captou principalmente a visão espiritual e metafísica. Não queremos com isto significar que o indiano seja tecnicamente um medíocre; os investigadores científicos e engenheiros indianos são muito apreciados no Ocidente e podem comparar-se aos melhores homens de ciência da Europa e da América; alguns Prêmios Nobel, inclusive, já recompensaram vários de seus trabalhos laboratoriais. Mas a tendência geral do pensamento indiano é espiritual e religiosa, o que explica a antiguidade e o incalculável valor dos profundos estudos psicológicos dos filósofos e dos investidores da Índia. A concepção do homem é subjetiva. O Eu pessoal perde toda a sua importância, e o seu valor absoluto relativamente a um ele - realidade única, reflexo do divino, encarnado noutro ser humano- é negado por toda a tradição espiritual hindu. A única "Realidade", o atman dos upanishads, reveste-se de formas corporais, e esta consciência passa de corpo em corpo, segundo a lei dos efeitos do ato, o Karma. 

A Índia dá mais importância à "Essência", ao "Absoluto", do que à manifestação material alterável e transitória, do mundo dos fenômenos. Esta manifestação tem um caráter ilusório, a “maya”; daí a teoria que o valor absoluto dos indivíduos é minimizado, e que os acontecimentos históricos ordem importância e convertem-se em repetições de circunstância, numa série indefinida de ciclos que se repetem. O mito substitui facilmente a História, e já se pôde observar que o indiano carece totalmente de sentido histórico; a fixação das grandes datas da antiguidade indiana foi obra de orientalistas ocidentais. Esta tendência provoca um certo repúdio pelo mundo objetivo natural; as percepções intuitivas, obtidas pelas técnicas de meditação, são tão válidas para o indiano como suas percepções sensoriais e têm inclusive maior realidade, porque provêm de esferas superiores da manifestação, mais próximas da "Realidade Suprema". Para o pensamento indiano, a vontade não consiste no acordo entre o conhecimento subjetivo e o conhecimento de natureza objetiva do mundo, como acontece no Ocidente, mas sim e acima de tudo é uma atitude moral, ética, uma forma de viver espiritualmente de acordo com as "Leis Eternas". Com esta abertura para "o alto", o indiano escapa ao desespero existencialista ocidental e aceita a morte com uma calma e uma despreocupação extraordinárias. O hinduismo é uma contemplação, uma realidade do divino, dirigida por técnicas de meditação precisas e transmitida habitualmente por uma iniciação. Considera-se o sábio superior ao santo. Não há salvador, não há ser superior que dê uma doutrina revelada, não há intermediários entre o homem e o "Absoluto", não há Igreja nem clérigos, há apenas profissionais, descendentes da casta dos brâmanes, encarregados dos ritos, que têm como finalidade o cuidado dos templos, residência dos deuses, representações das grandes forças cósmicas divinas. O culto dirige estas forças e as canaliza para o bem dos homens. Ao considerar tudo saturado, ao ver por toda a parte a presença divina, a organização da casta é um reflexo material de uma realidade divina e possui uma base religiosa fundamental. É necessário sublinhar o caráter conservador do pensamento hindu, seu culto dos antepassados, seu extraordinário respeito pela vida, sob todas as formas, manifestação tangível e sagrada do poder divino. Numa palavra, o hindu esforça-se mais por se adaptar à Natureza do que por reconstruí-la.
China
A psicologia chinesa é muito diferente da indiana; pode se resumir a importância do concreto, do particular, na exaltação da antiguidade e dos antepassados, na busca do sentido prático, na conformidade formal e na ausência de sentido metafísico. O chinês vive num mundo de percepção sensorial, de imagens, de símbolos visíveis, de tabelas de concordância. Não se sente em conformidade com idéias abstratas, com os conceitos de caráter geral, as definições aristotélicas. A língua reflete essa busca do concreto e toma corpo na ambigüidade da gramática chinesa, que não só não possui preposições nem conjugações, nem mesmo pronomes relativos, adjetivos, verbos, tempos, formas verbais ou casos. Um mesmo ideograma pode ser substantivo, adjetivo ou verbo. É difícil filosofar em chinês, já que não existe dialética, no sentido ocidental da palavra. O pensamento chinês, que tem um sentido circular no seu desenvolvimento, apresenta um caráter não-lógico, e a intuição domina o raciocínio. A escola religiosa budista Ch'an, em japonês Zen, não tem formas canônicas nem escolásticas, como acontece com as escolas budistas indianas. Todas as explicações filosóficas se baseiam em experiências concretas; a ciência descritiva chinesa é a do particular, do excepcional, do extraordinário que, com sua presença, perturba a ordem natural, Os Anais chineses são catálogos de sucessos. Os chineses veneram o passado, a tradição clássica, a hIstória; Confúcio (-551 a -479) não fez mais do que reunir textos antigos nos Cinco Clássicos, para os converter em modelo permanente da vida social e Individual chinesa. Aprender é imitar e Por isso não procuram uma nova verdade na livre especulação original: transmitem; e a atitude atual dos chineses face a Mao Tsé-tung e aos chefes comunistas corresponde a essa tendência psicológica. Existe uma conformidade exterior para com as formas; a moralidade ocupa-se apenas da proteção e da segurança do indivíduo. O homem deve seguir o grande exemplo da Natureza e conformar-se com as suas leis. A hierarquia das forças naturais reflete-se na hierarquia humana, o que justifica o "Poder Superior", qualquer que ele seja: imperador, general ou indiscutível chefe comunista; daí provém um grande orgulho nacional e racial, um patriotismo obscuro e uma xenofobia latente. Esta tendência explica o aspecto materialista da religião, que não é mais do que um simples comportamento adaptado ao código social. O bem e o mal são relativos, como todo o resto; na China nunca houve uma guerra civil por divergências religiosas, como já aconteceu na Europa, porque o chinês crê que em qualquer religião ou filosofia se encerra sempre algum elemento da verdade.

As três religiões - confucionismo, taoísmo e budismo - unem-se, de fato, numa espécie de sincretismo religioso, de onde a metafísica está totalmente ausente. O ascetismo, o monge budista errante da índia, são desconhecidos; os ascetas taoístas buscam os poderes psíquicos e a imortalidade nos seus retiros. Daí que o budismo hindu sofreu uma profunda transformação antes de se adaptar à mentalidade chinesa.
Japão Muitas são as características psicológicas comuns aos povos japonês e chinês. Existem igualmente enormes diferenças. A influência do pensamento e da cultura chineses foi enorme no Japão; a escrita chinesa penetrou no Japão há 1400 anos e os ideogramas ainda foram utilizados no Japão depois da Revolução de 1868 para explicar as técnicas ocidentais; ao contrário os japoneses falam e compreendem com dificuldade a língua chinesa. O traço psicológico mais característico do japonês é a importância que dá às relações humanas, à posição social, à hierarquia; o espírito crítico não existe e antepõe-se a todo o valor prático das coisas, qualquer que seja a origem. O fenômeno é a única expressão da realidade e o japonês despreza as especulações metafísicas. A sua religião, o shintuísmo, admite a presença da numina, de espíritos, em todas as coisas da Natureza, que se revestem assim de poderes sagrados: daí o amor e o respeito aos rios, às montanhas, às pedras, às árvores, aos jardins... O valor intrínseco da vida reside neste mundo; o amor sexual é natural e não se reprime, como acontece na Índia. O asceticismo budista de tipo hindu é desconhecido no Japão. O confucionismo chinês deu importância às relações sociais humanas, às formas de educação, à linguagem, à família, ao clã, como célula de organização social, às genealogias e ao amor filial do culto dos antepassados. O imperador foi considerado até 1945 como um descendente dos deuses. A ordem social era feudal, patriarcal, e o cristianismo foi perseguido por causa das suas idéias igualitárias antitradicionais. Este culto pela hierarquia explica a devoção pelos superiores, pelos amos, e também as atuais relações dos empregados com as empresas que os contratam, bem como a presença de um cerrado nacionalismo; a tradição nacional admite como princípio que o Japão é o melhor país do mundo. Isto explica o valor que atribuem à força das armas, ao guerreiro, ao seu sacrifício em benefício do clã a que pertence. O samurai japonês equivalia ao ilustrado funcionário chinês. O budismo tomou um caráter militar e o Zen foi uma rude e severa disciplina da formação do guerreiro: o Prof. Nakamura escreve que se enterrava vivo o monge Zen que se mostrava incapaz. A língua japonesa reflete esta busca do concreto e o poeta religioso faz os seus versos inspirando-se em intuições emocionais a que dá expressão nos Tanka (31 sílabas) e nos famosos Haiku (17 sílabas). No entanto, o contacto, embora muito popular, com o mundo dos espíritos faz-se através dos médiuns, do Shinto e dos característicos rituais mágicos budistas.