Sempre me pergunto porque precisamos de tantas defesas. Assim que começamos a estudar psicologia percebemos que nossos maiores problemas surgem, muitas vezes, dos nossos mecanismos de defesa. Eles são engenhosos, fortes - são nossos salva-vidas.
Fazem parte do instinto de sobrevivência, mecanismos inconscientes e repetitivos como respirar, a circulação do sangue no corpo, os processos incessantes do cérebro que coordenam nossos hormônios, etc. Estamos falando de forças relacionadas à existência na matéria, porque para o espirito não existe a morte, o fim ou algo parecido, portanto não tem do que se defender.
Pensando em movimentos inconscientes o coração é um ótimo exemplo! Ele está vivo, pulsando no seu peito e você não precisa estar consciente disso para ele fluir, ser o que ele é. Nosso coração pulsa em um ritmo único, livre e constante - graças a Deus. Portanto sem esse aspecto da existência, ou seja, mecanismos controlados por um sistema inteligente e involuntário - não poderíamos sobreviver.
A importância de saber se defender é inquestionável, já que estamos vivendo em um ambiente muitas vezes hostil - física e emocionalmente. O problema não está aí. Ele nasce quando a defesa, que por natureza é inconsciente, se torna mecanicamente ativa e constante nos apartando de escolhas conscientes e mais bem adaptadas.
Mas não podemos esquecer do outro lado, os movimentos conscientes e criativos regidos pela mente consciente e auxiliados pela inteligência maior, ou seja uma inteligência que não está baseada na memória apenas.
A consciência é viva, livre, criativa e luminosa, o que me faz lembrar de uma fogueira e suas chamas que mais parecem seres vivos, dançando e subindo ao Céu. Essa força que está à nossa disposição se manifesta para que sejamos únicos, para que possamos realizar nossa essência e mostrar ao mundo algo nunca visto antes, nem em nossos sonhos.
Olhando tudo isso percebemos que os movimentos insconscientes e repetitivos regem a sobrevivência e a consciência está a serviço da Vida e do viver.
Os mecanismos de defesa sejam eles precoces (primeira infância) ou tardios nos tiram a espontaneidade, liberdade e fluidez. Sempre que você se sentir tenso, duro, constrangido, envergonhado saiba que um mecanismo de defesa está ativo e você não está consciente disso e muito menos no comando de seus pensamentos e ações.
A perda de autonomia é impressionante e junto com ela vem a queda de produtividade e principalmente da criatividade. Juntamente com a tensão nasce a dor, portanto paramos, estagnamos. Quando nossas defesas estão ativas nós passamos para o domínio do trauma, do predador intrapsíquico. Estamos no reino das trevas - já que podemos relacionar luz à consciência e sua falta à escuridão.
Observe como repetimos inúmeras vezes a frase “eu não queria dizer isso, ou eu não percebi”. Percebe que isso está sinalizando perda de autonomia e afastamento da consciência? Lapsos de memória, atitudes impulsivas, tensões dolorosas, medos inexplicáveis entre outras coisas funcionam como uma sirene. São um alerta - a luz vermelha piscando para que possamos enxergar que algo está aprisionado no nosso mundo interior.
Existem muitos prisioneiros e quanto maior for o número deles mais alto será o som da sirene. Esses prisioneiros podem se chamar: espontaneidade, alegria, amor, raiva, medo. São muitos os nomes, mas nasceram de uma única fonte - a Vida!
Os mecanismos de defesa, em algum momento nos salvaram da morte - real ou psíquica, que se manifesta como loucura. Eles entram em cena sempre que ameaças surgem e aqui começam grande parte de nossos problemas. Esses mecanismos não são flexíveis, não mudam e estão a serviço da sobrevivência. Deixamos de viver e passamos a sobreviver quando estamos sob seu domínio, por isso tudo se torna tão rígido, desconjuntado, tenso e dolorido.
Para viver precisamos de espaço de encontros, trocas e muito afeto. Não adianta alimentar a vida com artificialidades secas, trincadas de crítica e desamor. Precisamos estar mais atentos a nossa falta de espontaneidade e fluidez. A atenção é a ferramenta primordial da consciência.
O que eu quero dizer com tudo isso é que, sim somos seres cheios de traumas, dores e desamores, mas não precisamos mais ficar presos no estilo - sobreviventes e cheios de orgulho disso. Os mecanismos de defesa são necessários mas não podemos ser reféns deles. Precisamos estar conscientes de nossas travas, buracos, celas e correntes. Atentos ao seus sinais, sons e alertas podemos conquistar mais autonomia e fluidez. Sair da sombra, habitar cada canto de nosso ser e Viver!
Karina Paitach