Escrito por Karina Paitach
A Terra vive do amor que o Céu tem por ela. Assim começa o preâmbulo do Livro Os Movimentos do Coração – Psicologia dos Chineses sobre o qual gostaria de falar um pouco.
Na cultura chinesa o Céu e a Terra se encontram. Este “ponto de encontro” é o coração do homem. É o vaso sagrado que por natureza é vasto como o Céu e também a terra sagrada dentro de cada um. Por este motivo o coração é o centro das atenções no que diz respeito a nossa psicologia.
Sendo cada um deles, o Céu e a Terra, operadores da vida, vamos falar sobre a Virtude do Céu, o Sopro da Terra e os Espíritos que são os mensageiros da Virtude do Céu. Teremos também que revelar os três Tesouros se quisermos entender os seres humanos e por fim chegarmos aos Cinco Espíritos; que são a finalidade desta coletânea de textos.
Podemos dizer que o Céu é o que se manifesta como nossa própria natureza, que é a autenticidade do nosso agir. E o coração abriga o Céu e é sua morada, pois ele é capaz de receber o dom de reconhecer a justeza e a autenticidade das condutas.
O que recebemos do Céu nos marca ativa e constantemente; daí se originam todas as condutas do indivíduo. Já os Espíritos são da mesma qualidade da Virtude do Céu só que um pouco mais específicos. Assim são retratados os Espíritos: “A Virtude, assim como os Espíritos, é luminosidade irradiante. É a Luz que ilumina tudo que vem a este mundo...”. Os Espíritos advêm em nós, repletos de luz, manifestam a virtude e a trazem para nós”.
A Terra em nós é aquilo que recebe e carrega a virtude, dando-lhe formas. A Terra é uma grande provedora de formas definidas onde ficam abrigados os dons do Céu. Mas antes de falar em ‘forma’ devemos falar sobre a forma sem forma, ou seja, aquela que aceita se tornar todas as formas: o Sopro e só ele é que pode ser verdadeiramente oposto, contrastado, complementar e compenetrado para e pela imensa Virtude do Céu.
E é a partir deste nível que nasce o YIN/YANG, pois agora existem dez mil seres. De um Sopro único e universal nasce a multiplicidade. Quando falamos em sopros falamos no conhecido Qi e é por meio dos sopros ou Qi que tudo se faz, mantem e anima a Vida.
Agora que já entendemos sobre o Céu e a Terra, o que nasce deste cruzamento, ou melhor, o que nasce deste abraço são os seres viventes, portanto: “não há vida senão através dos sopros yin/yang, submetidos à ação própria da Terra, individualizados pelo Céu”.
Temos a tríade perfeita – CÉU – TERRA – VIDA, podemos falar um pouco sobre nós Humanos. No entanto o que nos difere, seres viventes, dos outros milhares de seres. O que temos de único? Aqui nasce o que é conhecido por Os três Tesouros.
Agora peço sua atenção: para que os viventes surjam deve haver uma revelação! Eis aqui o que é conhecido como Essências ou Jing o primeiro tesouro. O Jing é nossa energia constitucional e física o que nos torna viventes é o enraizamento de tudo o que existe – o elo biológico. Herdamos dos nossos pais e é o que nos liga ao mundo animal. Sendo assim os instintos de sobrevivência, a agressividade e a necessidade de nos ligarmos aos outros, estão ligados ao Jing.
Mas sabemos que nós não estamos ligados apenas ao reino animal, mas sim com todo Universo e esta ligação se dá através do Qi ou os sopros. Como mencionado anteriormente é ele que dá origem a todas as formas, portanto somos todos UM através do Qi, o segundo tesouro.
O terceiro e último tesouro é o que nos torna HUMANOS, o que nos diferencia e nos torna únicos no universo. Shen ou Espírito é o que não compartilhamos com os animais. Foi o Céu que nos concedeu. Os três tesouros refletem a tríade perfeita, sendo o Jing nosso elo biológico com os outros animais, portanto está ligado a Terra, o Qi que compartilhamos com os dez mil seres e o Shen é a dádiva única concedida pelo Céu.
Temos mais revelações para fazer, a revelação dos Espíritos e esta se dá do encontro entre duas essências. O casal primordial, já falamos sobre eles, O CÉU/TERRA, os outros casais apenas reproduzem esta imagem, como por exemplo: YIN/YANG – MACHO/FÊMEA, etc.
Os Espíritos são o Céu em nós, nos conduzindo e trazendo sua mensagem. Shen é enraizado, fixado através das essências, está muito além delas mas opera e se manifesta através delas. Como tudo tem uma raiz, um lugar de onde emana uma radiancia luminosa assim também tem, como sua primeira morada, o Coração – Morada do SHEN. Aqui entendemos porque do brilho dos olhos, a luz espiritual que é conhecida como emanação luminosa simbolizando saúde e vivacidade.
É a partir do Coração, os Espíritos irradiam até os mais remotos recônditos do ser; eles estão em toda parte, nos Zang (órgãos), no mental, em todo o lugar onde a animação vital se manifesta. Para sua manutenção precisamos proporcionar um coração sereno e disponível. Disponível quer dizer um Coração vazio no seu mais alto grau de significado.
Embora o Espírito - Shen seja indivisível e inominável, mistério último, podemos particularizá-lo de acordo com suas moradas. Sabemos também que ele habita todos os lugares, mas vamos falar de cinco, que estão relacionados a cinco órgãos Yin ou Zang e que são a finalidade destes textos.
Primeiro devemos abordar é Espírito na sua manifestação mais Yang o chamado HUN que habita o Fígado e está em ressonância com o elemento Madeira. O aspecto mais Yin doShen conhecido como PO que está relacionado com o órgão Pulmão e está em ressonância com o movimento Metal, mas este deixaremos para o nosso próximo encontro.
O Shen se expressa através dos órgãos (Zang – Yin) e vísceras (Fu – Yang) sob cinco formas, também chamadas de “Alma dos Zang-Fu” que remonta a ideia de morada dos Espíritos no nosso corpo.
HUN - ALMAS ESPIRITUAIS
Para nós ocidentais Hun é o que chamamos de “alma” ou “espírito” da pessoa. Podemos chamar de almas espirituais, espírito que raciocina - mas chamaremos de HUN.
Hun como um movimento Yang tende a subir, elevar-se e ele precisa que algo o entesoure - o seu enraizamento acontece no Fígado impedindo seu impulso em direção ao Céu.
Pensando em ressonância, lembrando que a sabedoria dos orientais se espelhou na natureza para desenvolver toda sua filosofia e medicina; quando desenvolveram o conceito de movimento Madeira estavam falando sobre a força do nascer das plantas, que se movem em direção ao Céu e isso acontece na Primavera estação que representa o desabrochar de tudo. O fígado yin com seu parceiro yang a Vesícula Biliar formam o par de órgãos (YIN/YANG) do movimento Madeira.
Este sistema Fígado/Vesícula Biliar, fisiologicamente falando (na visão da MTC) é responsável por armazenar e regularizar a saída de sangue de acordo com os diferentes estados fisiológicos. É ele quem “comanda o mar do sangue”. Nutre os tendões e músculos já que eles são alimentados pelo sangue. Todas as funções são geradoras dos nossos movimentos o que deixa claro sua ressonância com a Madeira.
Outra manifestação do Hun é através da emoção ressonante – Raiva no sentido de impulso para a realização. É uma força dinâmica que desencadeia os impulsos necessários para empreender uma ação. Como controla a imaginação, desempenha um papel essencial em todo ato de criação, permitindo a elaboração de uma estratégia.
O Hun descontrolado gera a ira, a fúria que nos torna cegos de raiva. Os planos futuros e a criatividade perdem sua fonte de estímulo e o nosso sono se torna agitado. O Coração será muito afetado neste desequilíbrio, pois não é ele um músculo? E também não é ele a primeira morada do SHEN?
Cada sistema no homem tem sua singularidade e atividades que lhes são próprias no metabolismo energético, mas todos são de igual importância na manutenção do equilíbrio. As atividades humanas sejam elas mentais, emocionais, fisiológicas, espirituais ou sociais não são nada além das expressões múltiplas de um mesmo princípio geral, que é a transformação e o fluxo da energia e a manutenção disso depende de uma moradia tranquila para os espíritos, o coração sereno.
(*) Texto Introdutório - No próximo texto falaremos sobre PO – Alma Vegetativa e o Movimento Metal.
Referencia Bibliográfica:
Elisabeth Rochat de La Vallee e Claude Larre. Os Movimentos do Coração: Psicologia dos Chineses.
Belo Horizonte: s.e., 2004. Tradução de Nicole Mir.
Wang. Princípios de Medicina Interna do Imperador Amarelo. Editora Icone, 2001.