sábado, 6 de janeiro de 2018

DROGAS PSIQUIÁTRICAS - NUNCA MAIS!!!

DEIXAR DE TOMAR DROGAS PSIQUIÁTRICAS: UM GUIA PARA A REDUÇÃO DE DANOS


Um importante guia para todos aqueles que querem deixar de tomar drogas psiquiátricas. A cartilha é gratuita e você pode baixa-la na internet (versão em espanhol). Ela está traduzida em diferentes línguas; infelizmente ainda não está disponível em português.
Essa cartilha foi criada a partir das informações e experiências de pessoas que sofrem tentando parar de fazer uso de medicação psiquiátrica. Will Hall iniciou a experiência em 2004, no oeste de Massachusets. Em princípio, eram reuniões mensais entre pessoas que compartilhavam do sofrimento de serem vítimas da psiquiatria, e pouco a pouco essas reuniões passaram a serem feitas em intervalos menores de tempo, até chegar ao estágio atual. É o Projeto Ícaro (Icarus Projet) e o Centro Liberdade (Freedom Center), experiências que se espalham pelos Estados Unidos a dar suporte a todos os que sofrem com o processo de deixar de tomar medicamentos psiquiátricos, com iniciativas como classes de Yoga, grupos de caminhada, reuniões de mútuo suporte, escutando vozes (hearing voices), orientação dietética, meditação, etc. Quando estava em seus vinte anos, Hall foi diagnosticado como esquizofrênico e ficou internado em hospital psiquiátrico. E hoje  não toma mais drogas psiquiátricas.
Assim como Hall, outros e muitos outros após haverem conseguido se libertar do sistema psiquiátrico querem contribuir para ajudar todos os que passam por dificuldades semelhantes. Participam usuários de drogas psiquiátricas, ‘sobreviventes da psiquiatria’ e familiares.
As pessoas costumam ter questões básicas que não conseguem formular aos seus médicos. Como p. e., se os benzodiazepínicos criam dependência química? Se interromper o tratamento com os antidepressivos leva à recaída da temida depressão? Ou, por que mesmo tomando os antipsicóticos conforme o que foi prescrito pelo psiquiatra não conseguem ter uma vida normal?
É possível se parar de tomar esses medicamentos? Há pessoas que conseguem, outras não. Umas com mais facilidade do que outras.  Por que?
A cartilha não é um protocolo ou uma receita de procedimentos.  Mas cria espaço para que cada um encontre o seu melhor caminho e que possa contar com o suporte de quem já passou ou está passando por experiências parecidas.
O sumário dos principais conceitos:
Quando a medicação psiquiátrica está em questão, duas visões se confrontam:
“Centrada na doença”  VERSUS  “Centrada na Droga”
O que resulta que conforme uma ou a outra visão, as seguintes questões serão respondidas de forma distinta por natureza:
  • O que são as drogas psiquiátricas?
    • Tratamento para doença mental X Substâncias psicoativas que alteram a mente e que podem ser úteis ao mesmo tempo que com riscos.
  • Como funcionam?
    • As drogas corrigem um processo anormal, uma doença de desequilíbrio químico no cérebro X As drogas criam um processo químico anormal no cérebro, como todas as substâncias psicoativas.
  • Quando usá-las?
    • Quando um transtorno mental particular está presente X Quando experiências particulares dos efeitos da droga são úteis no contexto.
  • Por que elas são úteis?
    • Os efeitos terapêuticos surgem da ação da droga no processo causador da doença XOs efeitos terapêuticos surgem por estarem sendo induzidos pela droga psicoativa que produz alteração dos estados mentais
  • O alvo?
    • Sintomas da doença X Corpo + Mente de quem toma a droga
  • E os riscos?
    • Os riscos da droga são necessários para tratar a doença X Os riscos da droga podem ser graves e podem ser piores do que a experiência para a qual a droga foi prescrita
  • Paradigma?
    • “Como a insulina para diabetes” X “Como o álcool para a ansiedade social”
  • Questões chaves:
    • Você tem uma doença mental?  X  É a droga útil para você levando em consideração os seus riscos?
Quem quiser aprofundar as diferenças entre o “modelo de uso de drogas centrado na doença” e o “modelo de uso de drogas centrado na própria droga”, vale a pena ler o artigo de Joanna Moncrieff e David Cohen, publicado no British Medical Journal “How do psychiatric drugs work?” É imperdível a palestra dada por Joanna Moncrieff sobre essa problemáticas na Universidade da Nova Inglaterra, com o título O Mito da Cura Química: A Política do Tratamento da Droga Psiquiátrica. (Lembre-se, o youtube oferece a ferramenta de legenda, em inglês, mas também em português. Não deixa de ser uma ajuda!)
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Novas Abordagens para a Psicose – Parte 2

Psicólogos Pressionam por Novas Abordagens para a Psicose

Parte 2


Esta é a segunda parte da cobertura do MIB do relatório recente da Sociedade de Psicologia Britânica que desafia o paradigma atual para o diagnóstico e tratamento da psicose.
Os autores do relatório destacam os fatores traumáticos e sociopolíticos subjacentes às apresentações de psicose e ‘esquizofrenia’ e exigem novas formas de entender essas experiências.
“É vital que os profissionais de saúde mental estejam abertos a diferentes maneiras de entender experiências e não insistam em que as pessoas vejam suas dificuldades em termos de uma doença”, escrevem os autores. “Essa mudança simples terá um efeito profundo e transformador em nossos serviços de saúde mental”.
Os autores alertam contra a conceitualização de ouvir vozes e outras experiências ‘incomuns’ como sendo indícios de uma indesejada ‘doença cerebral’. Principalmente porque essa visão patologiza uniformemente uma experiência, quando na prática é heterogênea, e que alguns acham ser não-angustiante e favorável ao seu estilo de vida. Além disso, eles argumentam que essas abordagens privilegiam explicações internas de angústia de forma a ocultar os efeitos do trauma e da violência estrutural.
Eles citam evidências convincentes de que os problemas de saúde mental e as experiências angustiantes, muitas vezes rotuladas como ‘psicose’, podem ser reações a eventos estressantes da vida, como pobreza, abuso e diferentes formas de trauma. Sobreviventes de abuso infantil, por exemplo, podem ouvir vozes parecidas com as do seu ex-agressor. Uma revisão descobriu que entre metade e três quartos das pessoas que estão em unidades de internação psiquiátrica foram vítimas de abuso físico ou sexual na infância.
Assim como os flashbacks, imagens intrusivas e a dissociação, a audição de vozes pode surgir como uma resposta natural após o trauma. Os refugiados, por exemplo, podem ouvir vozes ou ter visões relacionadas a experiências pessoais. Os autores escrevem:
“Está ficando claro que há muito mais sobreposição do que se pensava anteriormente entre essas experiências relacionadas ao trauma e aquelas que foram pensadas como psicose”. Eles ainda citam algumas fontes que argumentam que não há distinção e que a ‘psicose’ não precisa existir como um rótulo separado.
Um ouvidor de voz compartilha o seguinte:
“Eu pensei que era ruim porque as vozes me chamavam de todos os tipos de nomes. Mais tarde, percebi que as vozes estavam relacionadas ao abuso físico, porque elas têm as características daqueles que abusaram de mim. Então notei que as vozes se tornaram mais ou menos intrusivas dependendo da situação em que eu estava. Elas se tornaram ruins quando houve conflitos em casa. Então, elas eram um tipo de espelho da minha situação de vida “.
Um indivíduo com experiências de paranoia oferece o seguinte relato de sua história:
“Quando eu era criança, vivíamos em uma estrada totalmente branca. Ninguém era amigável conosco e, por golpe da sorte, o nosso vizinho era um membro da Frente Nacional e ficava a jogar toda a sorte de porcarias por sobre a parede do jardim para nos atingir e sujar a nossa casa … Era realmente horrível, coisas horríveis. E quando você é ainda criança em crescimento, você acha que é assim que o mundo exterior o vê. Você não vai se orgulhar de si mesmo e você realmente teme o mundo ao seu redor. Posso ver como isso teve um efeito fatal na minha experiência de paranoia “.
Os resultados de um estudo, citado no relatório, parecem apoiar a noção de que experimentar múltiplas formas de trauma infantil torna alguém suscetível à ‘psicose’, da mesma maneira que o tabagismo coloca um risco de câncer de pulmão.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) identificou pobreza, sem lar, desemprego e baixa educação como determinantes sociais de problemas de saúde mental. Outros estudos identificaram experiências de discriminação e racismo institucional como fatores que influenciam o desenvolvimento de crenças ‘incomuns’ ou ‘paranoicas’.
Os autores chamam a atenção para uma distinção importante entre indivíduos racistas e racismo sistêmico, observando que o último opera de forma penetrante e insidiosa atravessando uma miríade de aspectos do bem-estar individual. Dr. Suman Fernando conecta a rotulação excessiva de ‘esquizofrenia’ à “excessivas crises, prisão e exclusão escolar”.
Às vezes, o racismo institucional se manifesta em políticas que têm abertamente sido voltadas para as pessoas de cor. O Dr. Johnathan Metzl chama a atenção para o específico diagnóstico “esquizofrenia negra”, que foi usado na década de 1960 para rotular aqueles que participavam do Movimento dos Direitos Civis enquanto “psicose de protesto”. Em alguns casos, membros de certas comunidades que sofreram trauma coletivo relataram ouvir vozes que relembravam a sua perseguição histórica.
“Porque eu ensinava a cultura africana e caribenha, o comércio transatlântico de escravos era grande parte do meu interesse, e passei a ir fundo de mais nessa história. E então, de repente, algo desbloqueou em mim. Comecei a ouvir meus antepassados. Eu podia ouvi-los a chorar e eu podia sentir a sua dor. Todos os meus antepassados femininos, eu podia senti-los e eu podia sentir todos os seus filhos. Eu podia ouvi-los em sua viagem e eu podia sentir todas essas pessoas vindo a mim através de toda a minha leitura. Isso começou a me afetar muito e passou a ser um problema. “

Estudos demonstram ainda que os empregados negros têm mais chances de serem estereotipados como violentosrecebem serviços de qualidade mais pobres e são medicados pela força ou trancados. Alguns estudiosos descrevem esse padrão como resultando em um ‘círculo de medo’, em que as pessoas de cor são mais propensas a sofrer angústia devido a políticas racistas, sofrem de serviços precários e então evitam procurar ajuda quando sofrem dificuldades.
Esses diferentes fatores de complicação demonstram a complexidade subjacente que dá origem à experiências que são remodeladas como  ‘esquizofrenia’. O objetivo deste relatório é desafiar como os prestadores de serviços desenvolveram suas crenças e conclusões sobre ‘psicose’, instando-os a reconsiderar sua abordagem.
Alguns indivíduos acham que a audição de voz e as experiências dessa pessoa são angustiantes e incapacitantes. Embora certas formas de apoio profissional possam ser úteis, os autores apontam que a rede de amigos, comunidade e apoio social de alguém é fundamental para seu bem-estar. Formular intervenções com isso em mente é um passo importante para melhorar os serviços.
Existe uma série de opções de suporte entre pares tanto as que são separadas quanto as integradas nos serviços de saúde mental. Algumas são informais e ocorrem de forma natural, outras são executadas por usuários de serviços e outras envolvem pagar provedores para obter suporte de pares mais formal.
O movimento do ‘usuário e sobrevivente do serviço’ serve como uma comunidade de apoio enquanto um fórum concebido para que os indivíduos reflitam suas experiências e compartilhem suas perspectivas. Isso resultou em uma literatura crescente que oferece visões únicas de experiências ‘psicóticas’, abordando a natureza desumanizadora de alguns serviços de saúde mental e retratando um vínculo entre ‘loucura’, criatividade e espiritualidade.
Os métodos de autoajuda e apoio mútuo também estão se tornando cada vez mais populares, particularmente para indivíduos com identidades marginalizadas para que venham a receber suporte culturalmente apropriado. Os usuários negros de serviços têm formado grupos de autoajuda, assim como indivíduos e mulheres LGBT. Abordagens coletivas como essas funcionam para combater o isolamento e reforçam os sentimentos de solidariedade entre os membros.
A Rede de Ouvidores de Vozes é uma rede internacionalmente ativa formada por grupos de autoajuda “com base na ideia de que diferentes pessoas têm ideias diferentes sobre a natureza e as causas de suas experiências”. O relatório continua descrevendo abordagens de desenvolvimento comunitário e “colégios que recuperam: uma abordagem educacional para oferecer ajuda “, como opções adicionais de suporte, e o relatório finalmente conclui com lista de recursos, sites e serviços.
Os autores enfatizam a importância das pessoas receberem cuidados e suporte desejados em tempo hábil. Para alguns, isso pode envolver suporte para necessidades básicas, como habitação, dinheiro e comida. Embora a maioria das pessoas que experimentaram ‘psicose’ queiram trabalhar, elas são severamente subempregadas, o que pode aumentar muito as dificuldades para encontrarem seu valor, suporte e significado em suas vidas de maneira mais geral.
O apoio emocional e as intervenções que podem melhorar a organização e a motivação na vida de alguém podem ser especialmente apreciadas, levando os autores a identificar a necessidade de respostas criativas às necessidades individuais. No entanto, a legislação atual permite que as pessoas sejam mantidas em hospitais contra sua vontade, onde são muitas vezes administrados medicamentos à força. Isso não tem efetivamente resultado na prevenção de admissões.
“Existe um argumento de que, mantendo as pessoas internadas contra a vontade delas, com muita frequência em situações desagradáveis e às vezes assustadoras, onde muitas vezes a única ajuda oferecida é medicação com efeitos colaterais angustiantes, estamos a não respeitar o princípio ético básico de ‘reciprocidade’ , a saber, que “onde a sociedade impõe uma obrigação ao indivíduo de cumprir um programa de tratamento ou cuidados, deve impor uma obrigação paralela às autoridades de saúde e assistência social para fornecer serviços seguros e adequados, incluindo cuidados contínuos após a alta da internação involuntária.'”
As críticas abrangentes e convincentes oferecidas neste relatório fornecem espaço considerável para a reforma em vários níveis de serviços. Em primeiro lugar, elas encorajam a mudança para além do ‘modelo médico’ e oferecem serviços que substituem o paternalismo por uma colaboração radical, envolvendo privilegiar as perspectivas dos usuários de serviços e a aceitação geral de visões fora de um ‘modelo de doença’.
A prescrição automática de medicamentos antipsicóticos precisa ser interrompida, eles escrevem e, em vez disso, os prestadores de serviços precisam começar a apoiar o direito dos indivíduos a serem informados, a escolher e ter um senso de expectativas. Eles pedem um reexame da justificativa que apoie o uso do tratamento involuntário e da medicação forçada, ressaltando que esses serviços são inerentemente discriminatórios.
Finalmente, os esforços de pesquisa devem refletir essas mudanças redirecionando ‘a busca por anormalidades biomédicas’, no sentido de se entender “os eventos e circunstâncias da vida das pessoas” e como afetam as pessoas. Assim, os serviços não fornecerão apenas cuidados padronizados, mas intervenções colaborativas adaptadas às circunstâncias individuais. Para fazer isso, eles argumentam que os prestadores de serviços, particularmente aqueles que lidam com a terapia da palavra, devem estar dispostos a ouvir, aceitar, estarem inteiramente com o cliente para facilitar a cura interpessoal e receber o apoio e o treinamento necessários que lhes permitam fazer isso.
Um ouvidor de voz compartilha o que eles achavam que precisavam, quando aprenderam o significado de suas experiências:
“O que eu finalmente aprendi foi que cada voz estava intimamente relacionada com os aspectos de mim mesmo e que cada um deles carregava emoções esmagadoras que nunca tive a oportunidade de processar e resolver – memórias de trauma e abuso sexual, de vergonha, raiva, perda e autoestima. As vozes tomaram o lugar desta dor e deram palavras a ela. E, possivelmente, uma das maiores revelações foi quando eu percebi que as vozes mais hostis e agressivas realmente representavam as partes de mim que tinham sofrido mais profundamente – e, como tal, eram essas vozes que precisavam que eu lhes mostrasse maior compaixão e cuidado “.
O relatório exige uma mudança fundamental no campo para implementar essas mudanças críticas, particularmente ao reconhecer as formas em que a opressão gera o sofrimento frequentemente categorizado como psicopatologia.
“Não há” nós e eles “, pessoas que são “normais “e pessoas que são diferentes porque estão “doentes mentais ” … “Estamos todos juntos e precisamos cuidar uns dos outros. Se formos sérios sobre a prevenção da ‘psicose’ angustiante, precisamos enfrentar a privação, o abuso e a desigualdade “.
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Reflexões sobre Psicologia e Psicopatologia

Para que o diagnóstico não seja uma etiqueta ou um simples procedimento classificatório digno de um “jardim das espécies” apropriado para a botânica ou para o zoológico é necessário que ele cumpra a função de remeter à estrutura que o condiciona. Como não temos na psiquiatria a autópsia
que venha confirmar a doença da qual o sintoma seria o sinal, é na construção do caso clínico – a partir de um saber sobre a subjetividade particular de cada paciente que a psicanálise permite elaborar – que um diagnóstico aparecerá como conclusão do processo de investigação.

Freud construiu as entidades clínicas da psicanálise com base na nosografia da psiquiatria clássica, o que foi continuado pelas diversas correntes da psicanálise, inclusive por aquela em que nosso projeto se inscreve que é a de Jacques Lacan.“As categorias que utilizamos hoje provêm da psiquiatria clássica: neurose, perversão e psicose, esta última repartida em dois grandes tipos, esquizofrenia e paranóia. A cada uma dessas categorias podemos fazer corresponder um nome na história pré-psicanalítica. Para a paranóia, Kraepelin, para a esquizofrenia, Bleuler, para a perversão, Krafft-Ebing e para a neurose, Charcot.” Podemos acrescentar à nosografia analítica também os dois grandes
tipos clínicos da neurose – histeria e neurose obsessiva – e à psicose um terceiro tipo clínico que é a melancolia, base da psicose maníaco-depressiva, que Freud adota principalmente a partir de Emil Kraepelin.

Temos que recordar que o DSM e o CID são manuais de diagnóstico e não de psiquiatria. Como dizia René Olivier-Martin, referindo-se ao DSM-III, “observemos que ele de modo algum é um manual de psiquiatria, que só pretende ser manual de auxílio para diagnóstico, útil ao prático em suas orientações terapêuticas, para avaliar comparativamente a eficácia das terapêuticas e fazer uma coletânea estatística”.

Fundar uma prática de diagnóstico baseada no consenso estatístico de termos
relativos a transtornos, que, por conseguinte, devem ser eliminados com
medicamentos, é abandonar a clínica feita propriamente de sinais e sintomas
que remetem a uma estrutura clínica, que é a estrutura do próprio sujeito.

Prevenido pela psicanálise,o clínico da psiquiatria, não importa sua qualificação, terá outra atitude
diante do sintoma apresentado pelo paciente, evitando assim o furor sanandi de exigir a qualquer custo a suspensão do sintoma. Pois lá onde há sintoma, está o sujeito. Não atacar o sintoma, mas abordá-lo como uma manifestação subjetiva, significa acolhê-lo para que possa ser desdobrado, fazendo aí emergir um sujeito – seja no ataque histérico, na depressão melancólica, no delírio
paranóico ou no despedaçamento do esquizofrênico. Tratar do sintoma não significa necessariamente barrar ao sujeito “o acesso ao real que o sintoma denota e dissimula”.

“Os diagnósticos clínicos são importantes, pois proporcionam uma orientação, mas o ponto decisivo é a questão da história do doente, pois revela o fundo humano, o sofrimento e somente aí a terapia pode intervir”.
Na análise o médico deve aprender a conhecer sua alma e a tomá-la a sério para que o paciente possa fazer o mesmo. A alma é muito complexa... não é só um problema pessoal mas um problema do mundo inteiro e é a esse mundo inteiro que o psiquiatra deve se referir.”  
(Carl Gustav Jung)
“Existe um arquétipo médico-paciente que é ativado todas as vezes que uma pessoa fica doente. As feridas e doenças só serão curadas se entrar em cena o médico interior. Ele é ativado através da assimilação dos símbolos no campo transferencial”.
(G. Craíg)

Novas Abordagens para Psicose

Psicólogos Pressionam por Novas Abordagens para Psicose: Parte 1


Imagem - S. Dali
Um relatório, publicado pela British Psychological Society (BPS), critica o estado atual do conhecimento dos sintomas psicóticos e as implicações prejudiciais dos tratamentos padrão e faz sugestões sobre o que precisa ser mudado.
Uma semana após o anúncio do governo britânico de sua revisão da legislação sobre saúde mental, a Divisão de Psicologia Clínica da Sociedade Britânica de Psicologia (Reino Unido) publicou um relatório de acesso aberto desafiando a estrutura existente que conceitua a “psicose”. Os autores tentam desmantelar a noção de que a esquizofrenia é uma “doença do cérebro”que resulta em comportamentos violentos melhor regulados pela intervenção médica.
“Nós esperamos que este relatório contribua para uma mudança fundamental que já está em andamento sobre como pensamos e oferecemos ajuda à ‘psicose’ e ‘esquizofrenia'”, escrevem os autores. Por exemplo, “esperamos que os futuros serviços não insistam mais que os usuários do serviço aceitem uma visão particular de seu problema, a saber, a visão tradicional de que eles têm uma doença que precisa ser tratada principalmente por medicação”.


O relatório, “Compreensão da psicose e da esquizofrenia: por que as pessoas às vezes ouvem vozes, acreditam em coisas que outros acham estranhas ou parecem fora de contato com a realidade, e o que pode ajudar”, está disponível gratuitamente através da BPS.

O relatório, “Compreensão da psicose e da esquizofrenia: por que as pessoas às vezes ouvem vozes, acreditam em coisas que outros acham estranhas ou parecem fora de contato com a realidade, e o que pode ajudar”, está disponível gratuitamente através da BPS.
Com o objetivo de causar impactos junto aos fornecedores de serviços, usuários e formuladores de políticas, o relatório revisa de forma abrangente o paradigma atual que envolve o tratamento de “psicose”, como uma versão atualizada de um relatório anterior, publicado em 2000. Distintos psicólogos estão incluídos entre os autores, representando oito universidades e seis membros do NHS, bem como pessoas que se identificam com os sintomas associados à “psicose”. Mais de um quarto dos contribuintes são do último grupo, denominados “especialistas por experiência”.
Em conjunto, a peça fornece novas ideias, contextualizando manifestações psicóticas em contextos interpessoais e sociopolíticos, e reposicionando o que sabemos sobre psicose na literatura científica atual.
O relatório começa fazendo uma revisão do que comumente se entende como psicose (ouvir vozes, acreditar em coisas que outros acham estranhas, falar de maneiras que outros acham difíceis de entender, e experimentar confusão que pode ser percebida como uma perda de contato com a realidade). Os autores sublinham, no entanto, quão heterogêneas são essas experiências, enfatizando a natureza única dessas experiências em indivíduos e culturas.
A cultura, os autores acrescentam, pode influenciar radicalmente a apresentação de tais experiências (por exemplo, quais tipos de vozes podem ser ouvidas), como alguém entende e faz sentido de suas experiências e como se escolhe descrever ou explicar suas experiências aos outros. As atribuições erradas da psiquiatria ocidental historicamente patologizaram diferentes grupos ou culturas no que alguns chamam de “imperialismo cultural”.
Além disso, os autores citam pesquisas que descobrem que muitas pessoas têm crenças que outros consideram estranhas, e que até 10% da população ouvem vozes pelo menos uma vez em sua vida. Enquanto alguns podem estar assustados ou angustiados por essas experiências, outros nunca procuram ajuda ou entram em contato com os serviços de saúde mental, simplesmente porque não se sentem incomodados com o que experimentam. Algumas pessoas acham que ouvir vozes serve a uma função útil em suas vidas, ou as veem como espiritualmente enriquecedoras.
“O principal aspecto que parece distingui-los daqueles que entram em contato com os serviços de saúde mental é a medida em que eles ou aqueles que os rodeiam acham a experiência angustiante ou assustadora”.
  Um ouvidor de vozes descreveu o seguinte:
 “Quando você não consegue encontrar uma saída ao entrar em uma situação complexa, elas (as vozes) ajudam a nos orientar. Você não precisa ouvir, não precisa seguir seu conselho, mas é bom que elas se manifestem de qualquer jeito”.
Os autores, portanto, sugerem a compreensão de experiências de “esquizofrenia” em um continuum em vez de as conceituar como uma construção única. Uma compreensão matizada e diversificada permite uma maior inclusão das várias frequências e intensidades de experiências. Algumas pessoas experimentam eventos como ouvir vozes ocasionalmente ou em padrões menos angustiantes, enquanto outros podem caracterizá-los como mais duradouros e perturbadores.
Considerando a fenomenologia expansiva e diversificada de experiências, as pesquisas, sem surpresa, demonstram que a confiabilidade entre os clínicos permanece baixa, variando especialmente em diferentes médicos, hospitais e países.
“Mesmo os clínicos experientes que receberam treinamento extra na aplicação dos critérios, apenas 50% são os que concordam com a categoria de diagnóstico todo o tempo. “
No entanto, a visão tradicional de conceituar a psicose é aquela em que as pessoas a possuem ou não. Essa ideia tomou posse no campo, pois diferentes sistemas de diagnóstico, incluindo o DSM, enfatizam a psicose como um estado ou apresentação qualitativamente distinta.
Os autores demonstram como fornecer um nome para um fenômeno é enquanto tal enganador, e talvez perigoso, especialmente quando não é experimentado de forma homogênea. Referem-se ao psiquiatra Jim Van Os, quem escreve:
“O termo grego complicado, em última análise sem sentido, sugere que a esquizofrenia realmente é uma ‘coisa’, ou seja, uma ‘doença cerebral’ que existe como tal na natureza. Esta é uma falsa sugestão”.
Um colaborador que recebeu um diagnóstico de esquizofrenia descreve sua reação ao diagnóstico:
“Eu fui rotulado com todos os tipos de diagnóstico: transtorno alimentar não especificado de outra forma, transtorno depressivo maior, transtorno de personalidade limítrofe, transtorno esquizoafetivo e eventualmente esquizofrenia … esse foi o único que me derrubou completamente. Valeria a pena lutar, estando a sofrer de uma doença cerebral vital para sempre? “
Outro escreve: “Estou rotulado para o resto da minha vida … Penso que a esquizofrenia sempre me tornará um cidadão de segunda classe … Eu não tenho um futuro”.
Enquanto alguns autores descrevem um efeito de incapacitação ao receber um diagnóstico, outros discutem os benefícios decorrentes do rótulo:
“Eu acho que prefiro a minha doença tendo um nome porque me faz sentir menos solitária, e sei que existem outras pessoas que experimentam o meu tipo de miséria. E que as pessoas vivem a despeito da mesma doença que a minha, e que criam um sentido para a sua existência apesar da doença. Mas eu também tenho que ter cuidado para não adotar o papel de doente, pois sei que simplesmente eu desistiria de tudo se fizesse isso “.
O diagnóstico, escreve os autores, não fornece nenhuma informação sobre a etiologia e o contexto interpessoal dessas experiências, privilegiando as explicações internalizantes, ao invés de abordar o impacto de experiências como trauma, pobreza, discriminação e racismo institucionalizado.
Recomendações recentes se afastaram do uso de diagnósticos, por causa do impacto negativo observável que eles podem ter, particularmente no que se refere a gerar estigma, discriminação adicional e uma avaliação medicamente patologizadora das experiências. A British Psychological Society (BPS) é uma dessas organizações que criticou os diagnósticos DSM-5 e CID-10, conclamando para “uma mudança de paradigma em relação às experiências que esses diagnósticos se referem, em direção a um sistema conceitual não baseado em um ‘modelo de doença’”.
Outras organizações, como a Comissão de Esquizofrenia, se juntaram para questionar a utilidade de diagnosticar, lançando uma investigação sobre o impacto da rotulagem das experiências das pessoas.
Além disso, construções diagnósticas que se concentram exclusivamente na apresentação de sintomas obscurecem uma compreensão holística do bem-estar dos indivíduos. As pessoas que ouvem vozes ou que se engajam em crenças incomuns, muitas vezes realizam vidas significativas e funcionais sem terem problemas com tais experiências. Essas experiências desafiam aquelas abordagens que buscam simplesmente reduzi-las a “sintomas”.
Como um indivíduo explica:
“Trabalho quatro dias por semana em um trabalho profissional; eu possuo minha própria casa e vivo feliz com meu parceiro e animais de estimação. Ocasionalmente, ouço vozes – por exemplo, quando fico particularmente estressada ou cansada, ou eu tenho visões depois de um luto. Sabendo que muitas pessoas ouvem vozes e vivem bem, e que algumas culturas veem essas experiências como um presente, me ajudam a nunca me preocupar ou a achar que seja o começo de uma crise ‘psicótica’. Embora eu tenha sorte de que as experiências nunca tenham sido tão perturbadoras quanto as de algumas pessoas, se alguém me dissesse que era uma loucura, eu poderia entrar em um círculo vicioso e ter lutado para sair “.
Alternativamente, os autores destacam os fatores que parecem mais influentes para a recuperação de experiências angustiantes e bem-estar geral: “conectar-se ao mundo fora de si mesmo (por exemplo, relações de apoio, espiritualidade), esperança, uma identidade positiva para além do papel de paciente, encontrar significado na vida e capacitação (aprendendo o que ajuda e assim ganhando controle e tendo as oportunidades certas) “.
Intimamente relacionado a esses fatores está a temática dos ‘relacionamentos’ e do ‘suporte’. Infelizmente, no entanto, as imagens da mídia estão saturadas de estereótipos prejudiciais sobre pessoas que ouvem vozes, experimentam esquizofrenia ou que têm crenças consideradas estranhas. Elas são mais comumente descritas como susceptíveis de cometer crimes violentos. No entanto, os autores são claros ao dissipar esses mitos que cercam uma associação equivocada entre experiências de psicose e violência.
“Na realidade, em contraste com os estereótipos da mídia, poucas pessoas que experimentam paranoia ou ouvem vozes angustiantes machucaram mais alguém do que as outras. É muito pouco mais provável que pessoas com diagnósticos psiquiátricos cometam mais crimes violentos do que aquelas sem tais diagnósticos. No entanto, a diferença das taxas é extremamente pequena: muito menor, por exemplo, do que o risco aumentado associado a qualquer uma de condições como: ser masculino, ser jovem, consumir álcool ou drogas de rua ou ter sido violento no passado “.
Por outro lado, os usuários dos serviços de saúde mental são muito mais propensos a serem vítimas de violência, talvez por causa da perpetuação de estereótipos tão nocivos que servem para incitar o medo em outros.
Em última análise, os autores enfatizam a necessidade de os prestadores de serviços respeitar as opiniões dos clientes, uma vez que a etiologia e a apresentação das experiências associadas à psicose são contextualmente únicas e inadequadas para explicações redutoras, particularmente aquelas que tentam limitar completamente essas experiências a modelos biológicos.
Enquanto décadas de pesquisa insistem na hipótese de estruturas genéticas, neuroquímicas ou outras estruturas cerebrais e funções que sustentam essas experiências, os autores afirmam expressamente que “até os dias atuais, não temos evidências firmes de nenhum mecanismo biológico específico subjacente às experiências psicóticas”.
Não só a explicação “doença cerebral” privilegia o tratamento de drogas em detrimento de terapias com a palavra, tornando estas últimas menos acessíveis, criou-se uma cultura na qual os serviços de saúde mental são desencorajados de tentar entender as experiências do indivíduo ou o contexto delas.
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A parte 2 da cobertura deste relatório (a ser publicada nos próximos dias) expandirá as teorias que compreendem trauma, violência estrutural e fatores sociopolíticos como subjacentes ao desenvolvimento de sintomas psicóticos. O relatório apresenta contribuições adicionais de ouvintes de voz, seguidos de implicações para pesquisa, prática, autoajuda e um apelo para uma mudança de paradigma no campo em direção a uma compreensão mais humanística dessas experiências.
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Bibliografia:
Cooke, A., Basset, T., Bentall, R., Boyle, M., Cupitt, C., Dillon, J., … & Kinderman, P. (2017). Understanding psychosis and schizophrenia, Revised version. London: British Psychological Society, Division of Clinical Psychology.  (Texto Completo)  (Full Text)

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Pesquisa sobre drogas antipsicóticas

Anatomia de uma Epidemia: pílulas mágicas, drogas psiquiátricas e o aumento assombroso da doença mental

(Fonte: Portal Fiocruz)


Autor: Robert Whitaker

Livro premiado e traduzido em diversos idiomas, Anatomia de uma Epidemia aborda a contravertida questão das drogas e tratamentos psiquiátricos. O autor foi impulsionado a escrever sobre o que considera “um tremendo campo minado político” a partir de uma reportagem sobre maus-tratos em pesquisas com pacientes psiquiátricos, como, por exemplo, o uso de medicamentos para exacerbar sintomas em esquizofrênicos ou, ao contrário, para privá-los de antipsicóticos. Escrevendo uma série de reportagens sobre esses experimentos, Whitaker estava convencido de que novas drogas psiquiátricas eram desenvolvidas para ajudar a “equilibrar” a química cerebral e que seria antiético retirar a medicação dos pacientes experimentalmente. Ao se aprofundar na questão, no entanto, esbarrou com descobertas da Organização Mundial da Saúde, “que parecia haver encontrado uma associação entre os resultados positivos (no tratamento de esquizofrênicos) e a não utilização contínua desses medicamentos”. A partir daí dedicou-se a uma “busca intelectual” que originou esta obra. “Estas páginas falam de uma epidemia de doenças mentais incapacitantes induzidas pelos fármacos”.

Sumário:

Apresentação
Parte I – A Epidemia
1. Uma Praga Moderna
2. Reflexões Experienciais
Parte II – A Ciência das Drogas Psiquiátricas
3. As Raízes de uma Epidemia
4. As Pílulas Mágicas da Psiquiatria
5. A Caçada aos Desequilíbrios Químicos
Parte III – Resultados
6. Revelação de um Paradoxo
7. A Armadilha das Benzodiazepinas
8. Uma Doença Episódica Torna-se Crônica
9. O Crescimento Explosivo do Transtorno Bipolar
10. Explicação de uma Epidemia
11. A Epidemia Disseminada entre as Crianças
12. Quando os Jovens Sofrem
Parte IV – Explicação de Uma Ilusão
13. A Ascensão de uma Ideologia
14. A História que Foi... e Não Foi Contada
15. Contabilizando os Lucros
Parte V – Soluções
16. Projetos de Reforma
Epílogo
Notas
Agradecimentos
Índice Remissivo

Sobre o autor:

Robert Whitaker: Jornalista, ganhou vários prêmios cobrindo medicina e ciência, entre eles o Prêmio George Polk para Escrita Médica; o da Associação de Escritores de Ciência para o melhor artigo de revista; e melhor jornalismo investigativo de 2010. Em 1998, co-escreveu uma série sobre pesquisa psiquiátrica para o Boston Globe, finalista para o Prêmio Pulitzer para o Serviço Público. Seu trabalho se volta para o fenômeno da medicalização, particularmente sobre a influência das drogas utilizadas na psiquiatria e seu benefício real no tratamento das doenças mentais. Sobre o tema, escreveu ainda “Mad in America: a má ciência, a má medicina e o mal-estar duradouro dos doentes mentais” (2001) e “Psiquiatria sob influência: corrupção institucional, lesão social e prescrições para a reforma” (2015).